sexta-feira, 22 de março de 2019

"A relíquia", de Eça de Queiroz

Sempre tive grande dificuldade em apreciar as obras de Eça de Queiroz. Apesar de admirar muito as temáticas propostas em alguns de seus principais títulos, como "O crime do Padre Amaro" e "O primo Basílio", nunca consegui concluir a leitura desses textos, principalmente por considerar excessivamente maçante o seu estilo descritivo e rebuscado demais.

Por outro lado, ao realizar a leitura da póstuma "A cidade e as serras", primeiro em uma adaptação e depois em um original belíssimo que me foi ofertado como presente pela minha cunhada, encontrei ali um Eça diferente, mais leve, mais atrativo, mais genial, perante o meu humilde ponto de vista. E isso me encorajou!

Por isso, quando me deparei com essa edição de "A relíquia", tive algum receio de juntá-la à minha coleção. Contudo, a sinopse do livro me tirou qualquer dúvida.

A obra é protagonizada pelo personagem Teodorico, que, ao ficar órfão de pai e mãe ainda criança, vai morar na casa de sua Tia Patrocínio, rude, rica e (ultra)religiosa. Sabendo-se seu único herdeiro, o malandro Teodorico vive uma existência dupla: na frente da tia, um católico fervoroso; e, pelas suas costas, tomando extremo cuidado, um boêmio mulherengo.

E, diante da oportunidade da sua vida, no momento em que poderia conquistar a certeza de um futuro próspero e livre, o destino acaba lhe pregando uma peça, dando-lhe uma rasteira.

Desse modo, o rapaz acaba percebendo, pelos golpes da consciência, os reais motivos de sua desventura: a hipocrisia e a mentira, que, em nosso mundo, são defeitos (nos tornando piores), mas também qualidades (garantindo a nossa sobrevivência e a convivência em alguns momentos).

A partir daí, toda vez que tende a mentir e a ser hipócrita, Teodorico é salvo pela sua consciência. E é a sua sinceridade e o seu próprio esforço que lhe salvam de uma vida miserável.

No entanto, quando revisita a hipocrisia em outros indivíduos, lamenta que o seu erro foi não ter tido a coragem de afirmar. Pois, segundo ele, caso tivesse persistido na mentira e tido algum poder de improvisação, poderia não ter se dado tão mal.

***

Durante a sua narrativa, sobretudo no cansativo capítulo 3, o autor questiona e ironiza diversos aspectos dos relatos bíblicos, como a ressurreição e algumas opiniões e detalhes observados nos evangelhos. Isso demonstra o caráter crítico e destemido de Eça.

Mas não só de crítica e coragem é feito "A relíquia". Também há muitas situações hilárias e apontamentos dignos de aplausos. Aqui seguem alguns destes - o primeiro discorre a respeito da consciência e o segundo, sobre a coragem de afirmar. Creio que exemplificam bem o teor do livro.



"[...] Eu não sou Jesus de Nazaré, nem outro deus criado pelos homens... Sou anterior aos deuses transitórios; eles dentro em mim nascem; dentro em mim duram; dentro em mim se transformam; dentro em mim se dissolvem; e eternamente permaneço em torno deles e superior a eles, concebendo-os e desfazendo-os, no perpétuo esforço de realizar fora de mim o deus absoluto que em mim sinto. Chamo-me consciência [...]"


"[...] houve um momento em que me faltou esse descarado heroísmo de afirmar, que, batendo na terra com pé forte, ou palidamente elevando os olhos ao céu, cria, através da universal ilusão, ciências e religiões."

sábado, 9 de março de 2019

"Antologia Poética", de Marcos Konder Reis (seleção de Walmir Ayala)

Esta é a minha impressão sobre a poesia de Marcos Konder Reis: densa, pesada, mas belíssima! O autor experimenta as formas, põe à prova as palavras, lapidando cada texto para (não) dizer o que deseja da maneira mais bonita, rebuscada e, sobretudo, própria.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

"Ironias do tempo", de Luis Fernando Verissimo (organizado por Isabel e Adriana Falcão)

O livro "Ironias do tempo" reúne setenta e sete crônicas escritas por Luis Fernando Verissimo, todas publicadas durante os últimos vinte anos (de 1998 a 2018). Os textos, selecionados por Isabel e Adriana Falcão (mãe e filha, respectivamente), retratam, como está sugerido no título, as ironias que o tempo constrói após a passagem de alguns anos, décadas, séculos.

E essa característica é riquíssima na obra de Verissimo. Como cronista, ele não apenas nos fornece um instantâneo do momento que deseja registrar, mas, como um bom fotógrafo faria, também oferece ao público uma interpretação transcendental dos fatos relatados e lapidados por ele. Pode-se dizer, até, que esse é o fator que permite as ironias, as analogias referidas anteriormente.

O autor sempre proporciona aos leitores crônicas mágicas (por encantarem), atraentes (por convidarem à leitura), engraçadas (pelas situações hilárias que cria, na busca pelas melhores comparações - explícitas ou não), inteligentes (por convocarem à reflexão).

Assim, para quem tem interesse por fazer uma leitura agradável, rica e que retoma um pouco da nossa história recente, "Ironias do tempo" é uma dica certeira.

sábado, 9 de fevereiro de 2019

"A sutil arte de ligar o foda-se: uma estratégia inusitada para uma vida melhor", de Mark Manson

O presente livro de Mark Manson pode ser considerado uma obra de autoajuda. Porém, desde o título, não é de maneira alguma tradicional. Pois nele o autor busca liberar os leitores dos fardos que a sociedade moderna impõe a todos nós: seja excelente, seja especial, seja feliz, seja eterno, faça sucesso, dentre outros. E os nomes dos capítulos dão uma noção da argumentação oferecida por Mark: "Nem tente", "A felicidade é um problema", "Você não é especial", "O valor do sofrimento", "Você está sempre fazendo escolhas", "Você está errado em tudo (eu também)", "Fracassar é seguir em frente", "A importância de dizer não", "... E aí você morre".

Mark Manson conversa de forma direta com o seu público, sem medo de dizer, sem medo de palavras fortes, sem medo de impactar, sem medo de rir (inclusive da desgraça). Ele acerta o ponto e trata sobre tópicos que afetam a vida de cada indivíduo, assim como discorre a respeito deles feito um verdadeiro amigo. E é por isso que esse livro não é só mais um dentre tantos.

domingo, 27 de janeiro de 2019

"Ben-Hur: uma história dos tempos de Cristo", de Carol Wallace (baseado no romance de Lew Wallace)

Este livro não se trata do original, publicado em 1880 e escrito por Lew Wallace. É uma adaptação feita por Carol Wallace, trineta do autor supracitado, que justifica assim o que motivou essa tarefa:

"Como escritora, eu pude ver o potencial que existia no livro tão amado do meu trisavô. Ele poderia ser atualizado com cortes, reposicionamento de certas passagens, mais profundidade nas personagens femininas, ritmo mais rápido e linguagem contemporânea."

Desse modo, com o maior respeito ao texto original, a autora tornou esse interminável título em algo mais atraente ao público de hoje. E isso é muito importante, pois a história protagonizada por Judah Ben-Hur não faz referência apenas à fé cristã. Ela retrata a injustiça, o azar, a vingança, o amor, a amizade, a humildade, a prepotência, a dissimulação, a lealdade, a resignação, a conformação, a revolta, a doação, dentre vários outros temas; enfim, assuntos eternos quando se alude ao ser humano.

E essa magnífica obra, magistralmente esculpida, uma amostra fiel da humanidade, tem, na presente versão, a honra de ter servido como fonte para o mais recente filme inspirado em "Ben-Hur: A Tale of the Christ", lançado em 2016.

Por conta de tudo isso, cabe a mim afirmar que é um inestimável ganho de tempo a prazerosa degustação de cada palavra contida no volume em questão.

domingo, 13 de janeiro de 2019

"POEMAS e CARTAS A UM JOVEM POETA", de Rainer Maria Rilke

Maravilhoso esse livro que apresenta textos de Rilke e que fala sobre o autor.

Os poemas de Rilke soam ainda atuais, apesar da idade, e retratam a sua visão sobre a vida, a morte, as estações do ano (representando as fases da vida também), o misticismo.

Todos os poemas apresentam, numa seção especial do livro, comentários dos seus organizadores e tradutores Geir Campos e Fernando Jorge, o que enriquece deveras a experiência da leitura.

Os textos sobre o autor trazem ao leitor uma boa noção de quem foi e do que pensava Rainer Maria Rilke.

Mas o que mais me fascinou mesmo foram as cartas que ele escreveu para o jovem poeta (do título) Franz Xaver Kappus, as quais demonstram uma admirável visão da existência e a respeito do que nos acontece ao longo da nossa caminhada.

Realmente, uma leitura agradável e construtiva!

domingo, 30 de dezembro de 2018

"Expresso da meia-noite", de Billy Hayes com William Hoffer

Em "Expresso da meia-noite", William Hayes narra os fatos que envolveram a sua prisão na Turquia por porte de haxixe, bem com a sua subsequente fuga cinco anos depois.

Ele conta tudo o que passou durante aquele período, retratando a atmosfera do presídio e dos outros locais onde esteve, além de descrever as pessoas que mais lhe marcaram.

É, certamente, uma das melhores obras que já li, por apresentar uma história surpreendente e quase inacreditável, escrita de maneira empolgante e comovente.