domingo, 2 de novembro de 2025

"A viúva Simões", de Júlia Lopes de Almeida

O romance "A viúva Simões", de Júlia Lopes de Almeida, traz como personagem principal Ernestina, mulher madura e de beleza singular, cujo marido falecera recentemente, deixando-lhe muitas posses e a filha Sara, moça peculiar e fisicamente parecida com o pai.

No decorrer da narrativa, Ernestina descobre que Luciano, por quem fora apaixonada na juventude, estava retornando ao Brasil após longa estadia na Europa. E esse reencontro provoca o ressurgimento de antigos sentimentos em ambos, assim como reabre feridas mal curadas. Mas, para dificultar uma segunda chance entre os dois, intromete-se Sara, que zela demais pela memória do pai e pelo período de luto devido pela mãe.

Pode-se afirmar, então, que a história é interessante e convida à leitura, apresentando doses certas de suspense, romance, drama e, até mesmo, de um certo terror sobrenatural. Além disso, o terço final da obra é bastante surpreendente, muito embora possa parecer, de certa forma, arrastado e forçado demais, quase apelativo.

Contudo, não há nada que desabone esse tesouro da Literatura Brasileira, publicado no final do século XIX, pois, em suma, "A viúva Simões" revela um enredo competente, planejado e estudado, que, mesmo sendo antigo, ainda proporciona um especial deleite aos seus leitores.


sábado, 25 de outubro de 2025

"É tarde para saber", de Josué Guimarães

Li "É tarde para saber" pela primeira vez na escola, ainda durante o 1º grau (atual Ensino Fundamental). Lembrava-me de que era um romance trágico e de que fora um dos poucos livros que li com satisfação naquele período.

Hoje, relendo a obra com um novo olhar, achei-a boa, mas nada fantástica. Além disso, excetuando-se o risco iminente de um novo governo fascista de extrema-direita, percebi-a bastante datada, retratando especificamente a realidade da época em todos os seus aspectos.

Para quem não sabe, esse título narra a história de Mariana, menina rica moradora de Copacabana, e Cássio, menino pobre e enigmático. Ambos mantêm um relacionamento quase secreto.

Ao longo da narrativa, Josué Guimarães dá “tapas de luva” no regime militar, que era o máximo que poderia fazer naquela conjuntura política brasileira.

Enfim, "É tarde para saber" é um livro importante para a nossa literatura, principalmente na ocasião em que foi lançado, e que hoje nos diz muito sobre um momento histórico que parte da população do país prefere ignorar ou romantizar.

domingo, 19 de outubro de 2025

"8 passos para a reconstrução da esperança", de Octavio Caruso



- Título: "8 passos para a reconstrução da esperança"

- Autor: Octavio Caruso

- Editora: Estrada de Papel (PR)

- Ano de lançamento: 2025

- Nº. de páginas: 74


No livro “8 passos para a reconstrução da esperança”, o escritor, crítico de cinema, ator, produtor, roteirista e cineasta independente Octavio Caruso compara o panorama social que se descortinava durante a sua infância com o cenário distópico tristemente observável nos dias atuais. No decorrer das páginas, o autor carioca ilustra, com fortes argumentos, como os brasileiros estão prosseguindo ladeira abaixo enquanto seres humanos de valor, estando a sua vergonhosa maioria perdida, despencando sem perder a pose e o nariz empinado.

Por outro lado, apesar de escancarar a desfavorável realidade com elogiável lucidez, Octavio busca fazer a sua parte (como já vem realizando há muito tempo, aliás, por meio de seus espetaculares trabalhos), listando os oito passos que, segundo ele, permitiriam aos poucos cidadãos fora da curva voltarem a ter alguma esperança na humanidade.

O primeiro passo, “O resgate da gentileza”, aborda a maneira de agir grosseira, vil e egocêntrica testemunhada em quase todos os indivíduos na atualidade. Para o escritor, se as pessoas voltassem a ser gentis, tivessem mais empatia e pensassem mais no bem comum, e não só em satisfazer as necessidades fúteis e instantâneas dos seus sujos umbigos, teríamos uma sociedade visivelmente melhor.

O segundo passo, “A vergonha de ser burro”, trata a respeito de um aspecto que já percebo há algum tempo como professor: os estudantes não sentem mais vergonha de terem um mau desempenho escolar. Tirar uma nota ruim, o que antes era um motivo de desespero, hoje é algo recebido com a mais completa indiferença. Então, não saber é uma situação que não incomoda mais os seres humanos. O importante, para a massa, é arranjar formas de conseguir dinheiro com pouco esforço. Só é relevante aquilo que a levar a isso.

O terceiro passo, “Conservar é amar”, discorre sobre a cada vez mais ameaçada prática do colecionismo, capítulo que mexeu muito comigo. Pois, como sempre gostei demais de música, cinema e literatura, desde criança adquiro e conservo, com o maior zelo possível, CDs, DVDs, livros e gibis. E sinto-me desesperado com a notável “ditadura” virtual. Agora, só vale aquilo que pode ser acessado pela internet, tendo em vista que é o que a maior parte dos indivíduos consome. Sendo assim, os poucos adeptos do verdadeiro apreço à arte e à cultura que ainda não desistiram das mídias físicas estão a cada dia mais angustiados com o cerco que vem se fechando. Gradativamente, está ficando mais complicado de encontrar títulos em CD, LP e DVD, sobretudo de achar aparelhos de qualidade que rodem esses discos. E, concordando com Octavio, digo: a paixão pela mídia física, pelo garimpo cultural, é proporcional ao respeito que se tem pelo autoaprimoramento intelectual.

O quarto passo, “Ilumine o caminho”, também me sensibilizou, porque tece analogias com o papel do docente, que quase sempre é exaustivo, frustrante e infrutífero, mas que, nas raras ocasiões em que o plantio dá sinal de vida, provoca sensações inigualáveis. Aqui, Caruso afirma que não se pode mudar a mentalidade de alguém, restando somente iluminar o seu caminho, torcendo para que os demais acolham a oportunidade. (Porém, convenhamos que é uma tarefa hercúlea, visto que o único trajeto luminoso valorizado pela imensa maioria é a tela dos seus smartphones – as únicas peças estimadas em suas medíocres existências, sem as quais morreriam.)

Por sua vez, os outros quatro passos sugeridos pelo autor desta valorosa obra não são menos importantes do que os supracitados e contêm uma abundante dose de joias em suas linhas. Contudo, não tecerei comentários sobre todos eles, uma vez que o presente texto deseja convidar os leitores para que tenham a mesma rica experiência que eu tive ao devorar “8 passos para a reconstrução da esperança”, e não resumir o livro inteiro, tendo em vista que isso acomodaria o público e, consequentemente, iria contra ao que Octavio Caruso sustentou neste seu lançamento.

Resta-me, assim, encerrar esta análise (bem menos aprofundada do que as brilhantemente executadas pelo escritor da obra em questão) com as minhas considerações finais. Concluo, afirmando que este foi um dos melhores livros que já li em toda a minha vasta experiência como leitor, pois não só encontrei em suas páginas, quase em sua totalidade, ideias com as quais me identifico, como também desfrutei de um título escrito com paixão, primor, verdade e as ponderações feitas por alguém que sabe realmente do que está falando. Octavio mostrou-se um sensível observador daquilo e daqueles que o cercam, assim como, há tempos, revela-se um verdadeiro protagonista da nossa sociedade, a quem devemos maior atenção. E espero, sinceramente, que isso aconteça.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

"Olívio", de Santiago Nazarian

- Título: "Olívio"
- Autor: Santiago Nazarian
- Editora: Talento (SP)
- Ano de lançamento: 2003
- Nº. de páginas: 144


“Olívio”, de Santiago Nazarian, é um romance de escrita criativa, poética e envolvente, que prende o leitor desde as primeiras páginas. O enredo é construído com competência e ritmo, resultando em uma leitura fluida, agradável e surpreendentemente fácil de acompanhar.

O protagonista Olívio cria uma ligação imediata com o leitor. Sua trajetória é marcada por perdas, confusões e recomeços, especialmente após ser abandonado por Rosalina, sua amada. Esse rompimento o desnorteia e o lança em uma série de situações dramáticas e misteriosas, sempre permeadas por questionamentos sobre seu papel no mundo e na sociedade.

Nazarian estrutura o romance de forma engenhosa: cada capítulo leva o nome de um personagem, de acordo com a relevância que esse exerce naquele instante da vida de Olívio. Esse recurso não apenas organiza a trama, mas também reforça a ideia de que a identidade do protagonista se constrói a partir dos encontros, desencontros e repetições que surgem em sua caminhada. Os personagens se confundem, retornam em diferentes momentos e se sobrepõem em coincidências que soam estranhamente familiares, como acontece no cotidiano de qualquer um de nós.

O destino, por sua vez, não poupa Olívio, ora o golpeando com dureza, ora o surpreendendo positivamente. Essa instabilidade evidencia o caráter existencialista da obra, que convida o leitor a refletir a respeito da necessidade de “reiniciar” a própria visão de mundo (e sobre o outro) diante das inevitáveis transformações da vida.

Sendo assim, “Olívio” é, sem dúvida, um dos melhores livros que já li, porque, mais do que uma desventura bem planejada e bem dividida, é uma experiência literária que combina lirismo, reflexão e humanidade em doses certeiras. Por outro lado, sou suspeito em afirmar qualquer coisa, pois fiquei completamente encantado pela escrita de Santiago, tanto por conta do seu primor em contar a história quanto pela poesia de sua narrativa, o que faço questão de reiterar.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

"O idioma das sombras", de Simone Bacelar

- Título: "O idioma das sombras"
- Autora: Simone Bacelar
- Editora: Cobalto (SP)
- Ano de lançamento: 2025
- Nº. de páginas: 148


Em “O idioma das sombras”, Simone Bacelar apresenta uma poesia de fôlego intenso, que se lê quase sem respirar, como se cada verso exigisse do leitor uma entrega total, sem espaço para distrações. Nada mais importa diante da força de sua escrita, que se constrói de modo brutalmente cru e, ao mesmo tempo, profundamente poético. A autora leva ao pé da letra o recurso essencial da arte poética: criar imagens, transformar sentidos, reinventar percepções. Suas analogias são únicas e fascinantes, e é justamente nelas que reside parte da originalidade de sua obra. A poética de Bacelar é simultaneamente moderna, ousada e diferente, mas não rompe com a tradição; ao contrário, dialoga com ela, respeitando-a, enquanto abre caminhos novos. O resultado é uma poesia acessível a qualquer leitor, porém suficientemente densa para provocar reflexão. Essa densidade, no entanto, não se apoia em vocabulário excludente ou em simbologias quase inacessíveis, e sim na lucidez e na consistência das ideias, gerando uma obra fora de série, verdadeiramente autêntica e estimulante. Cada palavra pode ser saboreada, e deixar um verso passar despercebido seria quase um crime. A leitura amplia positivamente a noção de como se pode fazer poesia, justamente porque foge do lugar-comum e oferece uma percepção sensível e particular das coisas, das pessoas, da sociedade, do tempo e do próprio fazer poético.

Os versos de Bacelar são incisivos, como em “um esforço jogado no ralo, / porque o ralo aceita qualquer coisa” (p. 15), ou em “um lampejo de esperança esmagado / como bituca de cigarro na calçada rachada” (p. 15), imagens que condensam a experiência humana em metáforas cotidianas, ao mesmo tempo simples e devastadoras. Em “Tem no bolso um maço de silêncio / e na alma um grito inteiro” (p. 30), a poetisa explora a tensão entre contenção e explosão, enquanto em “Ser autêntico é isso: / cuspir na cara do mundo / sem se importar / com quem limpa a sujeira depois” (p. 30) afirma uma postura de enfrentamento, que perpassa toda a obra. Há também espaço para delicadas ponderações, como em “Perdão, no chão do homem / não nasce como capim. / É lavra de quem entende / que a dor precisa ter fim” (p. 33), ou em “[…] aprendeu a desenhar / mapas de retorno sem jamais traçar rotas de fuga” (p. 34), versos que revelam maturidade e lucidez. O amor, tema recorrente, aparece despido de idealizações: “O amor não precisa ser bonito. / só precisa caber” (p. 36). Já em “Como se o ar não estivesse poluído / por pensamentos que não se dissipam” (p. 46), a escritora traduz a inquietação mental, e em “Ela lê, / não para escapar, / mas para entender por que ainda está aqui […]” (p. 53) transforma o ato da leitura em gesto existencial. A sabedoria de seus versos pode ser observada ainda em reflexões como “percebo que a paz / não é a ausência de ondas, / mas a aceitação / de que elas vêm e vão [...]” (p. 97), ou em “[…] sei que somos todos finitos, / como quem passa e já vira sombra na esquina” (p. 118), que reafirmam a consciência da transitoriedade da vida.

Entre os poemas que mais se destacam, estão “Uma dor que grita no silêncio”, “A mulher que carrega espelhos”, “Acervo”, “Sem promessas”, “Lição”, “Amanhece”, “O cotidiano respira”, “Aniversário de Jesus”, “Gratidão é coisa de dentro”, “A leitora”, “A dor que fala”, “O amor chega cambaleando”, “Felicidade”, “Cavalo selvagem”, “Estranha cidade a minha”, “Acordo com o sol nascendo”, “Alça de caixão”, “Testamento” e “Ela entra na livraria como quem invade”. Cada um deles, à sua maneira, confirma a amplitude temática e a versatilidade da autora, que transita entre o íntimo e o social, entre o efêmero e o eterno, entre a dor e a esperança.

Assim, “O idioma das sombras” não é apenas um livro de poemas, mas um convite a olhar o mundo com outros olhos — olhos que não temem a sombra e, em vez disso, encontram nela um idioma próprio, feito de lucidez, dor, amor e resistência. É por isso que, para mim, o avassalador volume em questão comprova aquilo que penso há algum tempo: a baiana Simone Bacelar é a voz mais notável da poesia brasileira contemporânea.



sexta-feira, 3 de outubro de 2025

"A senha do mundo", de Carlos Drummond de Andrade

"A senha do mundo" é um livro de poesia infantojuvenil muito bonito, cujos poemas nos transportam à infância — e, de certo modo, à própria vida — de outros tempos. Para temperar seus delicados versos drummondianos, a obra traz ilustrações originalmente publicadas nos periódicos ingleses do século XIX Chatterbox e British Workman.

É um título que sempre encontrei nas bibliotecas das escolas em que trabalho, de valor inestimável e, infelizmente, pouco lido pelos frequentadores desses preciosos locais.


domingo, 28 de setembro de 2025

"Vozes da Minh'alma", de Bárbara Seibel

Há livros que tocam a alma de maneira sutil, como um murmúrio que perdura em nossas lembranças, e há aqueles que nos marcam com identidade, com presença, com expressividade. “Vozes da minh’alma”, de Bárbara Seibel, faz ambas as coisas. Ele sussurra e grita; acolhe e provoca; convida-nos a olhar para dentro, mas também para além, para o passado e para o que há de mais essencial na existência humana.  

A poesia de Bárbara é um encontro entre memória e transcendência, entre resistência e contemplação. Seus versos, cuidadosamente construídos, carregam musicalidade, ritmo e uma profundidade que nos agarra desde a primeira página. Entre rimas bem posicionadas e estruturas poéticas marcantes, encontramos uma obra que dialoga com o íntimo e o coletivo, com o que nos molda e com o que nos transforma.

Há poemas delicados e simbólicos, que falam baixinho e revelam universos em poucas palavras. Outros são fortes e pulsantes, trazendo à tona temáticas como ancestralidade, raízes, protagonismo feminino, força interior, espiritualidade, resistência, além da relação do ser humano com a natureza e seus ensinamentos. Nos metapoemas, a própria poesia se torna reflexão, questionamento, deslindando as práticas e as motivações dessa admirável poetisa.

Muitos dos versos parecem mergulhar em histórias silenciadas, em legados que nos formam, instigando um senso profundo de pertencimento e gratidão pelos que vieram antes de nós. Há trechos que exaltam a resiliência, o renascimento e a conexão com uma força feminina universal, criando um espaço de empoderamento e autoconhecimento. Outros exploram a busca por propósito e o equilíbrio entre o humano e o divino, conduzindo o leitor por um caminho de introspecção e aprendizado.

Dentre os poemas que mais me marcaram, destaco: “Reencontro”, “Ancestrais”, “E se...”, “Poesia que me lê”, “Partida”, “A sabedoria de uma árvore”, “Mudança”, “Escrita”, “Sobre o amor”, “Alma de poeta”, “Mistério da noite”, “Tríade”, “Sinfonia do efêmero”, “Interrogação” e “Em algum lugar, existe alguém”. Cada um deles carrega um potencial próprio, seja nas indagações filosóficas, no resgate das raízes ou na entrega emocional dos versos.

Este livro não é apenas um conjunto de textos poéticos. É um convite. Ao folhear suas páginas, somos levados a uma viagem que ultrapassa tempo e espaço, guiados pelos vocábulos que Bárbara lapidou com sensibilidade e coragem. Seus poemas nos lembram de nossa conexão com o passado, enquanto apontam para o que ainda está por vir.

O impacto dessa obra reside na habilidade de equilibrar o pessoal e o universal, permitindo que cada indivíduo se enxergue em suas entrelinhas e descubra, quem sabe, um pouco mais de si mesmo.

Em “Vozes da minh’alma”, Bárbara Seibel se desnuda através de verbetes minuciosamente escolhidos, assim como nos permite encontrar algo de nós mesmos em seus versos. E esse é, sem dúvida, um dos maiores poderes da poesia.


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* O livro "Vozes da Minh'alma", escrito por Bárbara Seibel, está em pré-venda pelo link: VOZES DA MINH'ALMA. Aproveite as recompensas proporcionadas pela editora nessa etapa para obter vantagens exclusivas.