quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

"Canções do Desoculta", de Pollyanna Carvalhaes

 



- Título: "Canções do Desoculta"
- Autora: Pollyanna Carvalhaes
- Editora: Chiado Books (SP)
- Ano de lançamento: 2021
- Nº. de páginas: 82


Publicado em 2021 pela Chiado Books, o livro "Canções do Desoculta", de Pollyanna Carvalhaes, reúne 82 páginas de poesia que se destacam pela combinação equilibrada entre poemas longos e curtos, todos trabalhados com um ritmo muito bem conduzido.

A autora demonstra grande competência ao tecer simbologias acessíveis, sem abrir mão da densidade poética, que nunca soa prepotente. Suas analogias são criativas e surpreendentes, fugindo do óbvio e convidando o leitor a mergulhar em novas possibilidades de sentido. Em seus poemas, ela parte de experiências individuais do eu lírico para alcançar dimensões universais, transformando situações particulares em reflexões que dialogam com o cotidiano de todos nós. Essa transição do íntimo para o coletivo é feita com leveza e astúcia, sendo reforçada pelo jogo com nuances de significado e pela sinalização gráfica que intensifica a expressividade dos poemas. Esse, aliás, é um dos aspectos mais marcantes da obra: o uso inventivo da forma, por meio da utilização de quebras de versos inesperadas e do emprego diferenciado das vírgulas, que criam cadências atraentes, prendem a atenção e tornam a leitura dinâmica.

A organização do volume é coesa e revela um planejamento cuidadoso, em que cada texto ocupa seu lugar de forma a compor um conjunto harmônico. Entre os poemas que mais se destacam estão “Insônia nua”, “Reza”, “Desenha-me uma boca”, “Um copo de corpo”, “Dormir só”, “Labirintite”, “Kamikaze”, “Lua Sangra”, “Quatro vias três segredos”, “Nó de luas nuas”, “Total” e “Carangueixa”, todos exemplos da força criativa da autora.

Portanto, "Canções do Desoculta" se apresenta como uma obra poética planejada em cada detalhe, desde a escrita até a disposição dos textos, oferecendo ao leitor uma experiência instigante e ao mesmo tempo suave. A leitura é inegavelmente agradável e demonstra uma poetisa capaz de surpreender pela originalidade e pela delicadeza com que constrói suas imagens. Para quem se aproxima do livro sem grandes expectativas, o resultado é uma grata surpresa, uma vez que a poesia de Pollyanna Carvalhaes fascina e encanta.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

"Flor-essência", de Sofia Enderle Silva




- Título: "Flor-essência"
- Autora: Sofia Enderle Silva
- Editora: Filos (SC)
- Ano de lançamento: 2025
- Nº. de páginas: 116


Publicado em 2025 pela Filos Editora, "Flor-essência" é a estreia literária de Sofia Enderle Silva, uma autora de apenas 15 anos que já demonstra uma impressionante maturidade artística. A obra se divide em duas partes: “Poesia”, organizada cronologicamente entre os anos de 2021 e 2025, e “Prosa”, composta por cinco contos. 

Logo no início da leitura, percebe-se que Sofia não se limita à ingenuidade que se poderia esperar de uma escritora tão jovem. Pelo contrário, ela brinca com letras, fonemas, significados e formas, explorando disposições gráficas e sonoras que mexem com os sentidos e constroem uma poesia envolvente. Seus textos são profundos, nada óbvios, e muitas vezes se aproximam da prosa poética. Há ritmo, mas nem sempre rima; há sabedoria, e nunca superficialidade.  

Entre os poemas, destacam-se alguns que se tornaram meus favoritos, como: “Pássaros” (o primeiro que escreveu, aos 11 anos); “Hábito”; “Dependência”; “Diálogo”; “Ciclo”; “Nós e o tempo”; “O ouvido de Bárbara está inflamado e é minha culpa”; “Caindo”; “Eu, tu e nós”; “Entre o Céu e a Terra”; “Inércia”; “Todas as faces instrumentais de um relógio”; “Factual”; e “O homem”. Em todos eles, Sofia revela uma lucidez incomum para sua idade e para um contexto social marcado pela alienação, convidando o leitor a decifrar enigmas e jogos linguísticos que ela habilmente constrói.  

Quando se chega à seção de contos, o impacto é igualmente surpreendente, pois eles estão à altura das narrativas produzidas pelos melhores escritores do país. Surge, então, a dúvida inevitável: seria Sofia melhor poetisa ou contista? A resposta talvez seja que ela transita com igual segurança entre os dois gêneros.

A escrita de Sofia é encantadora e transformou "Flor-essência" em uma das obras poéticas mais marcantes que já li. O fascínio não reside apenas no fato de uma autora tão precoce manifestar tamanha qualidade (o que por si só já seria um atrativo), mas sobretudo na consistência de sua produção. Sua linguagem é acessível, porém, simultaneamente, instiga o leitor a pensar, a decifrar, a mergulhar nos labirintos que elabora com palavras. Por isso, discordo da afirmação de Gilnei Oleiro Corrêa que, na apresentação da obra, chamou-a de “voz promissora”. Para mim, Sofia Enderle Silva não é promessa, é realidade.

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

"A arte do guerreiro lúcido", de Octavio Caruso


- Título: "A arte do guerreiro lúcido"
- Autor: Octavio Caruso
- Editora: Jaguatirica (RJ)
- Ano de lançamento: 2017
- Nº. de páginas: 222
 
 
Em seu segundo livro, cujo título é "A arte do guerreiro lúcido", o escritor, crítico de cinema, ator, roteirista e cineasta carioca Octavio Caruso tece uma narrativa vivida por personagens, muitas vezes, nem tão fictícios, a exemplo do protagonista Antonio, alter ego literário do autor. Ele utiliza esse romance como plano de fundo para retratar o panorama brasileiro atual sob vários aspectos (político, cultural, educacional, moral).
 
Nas páginas desta obra, Caruso mescla realidade, ficção, passado, presente e futuro, explorando as possibilidades do gênero para provocar reflexões, identificar o papel do cinema na sociedade, seja no seu princípio ou agora, além de projetar a importância da sétima arte nos nossos próximos momentos históricos.
 
"A arte do guerreiro lúcido" traz, também, trechos de relevantes crônicas escritas por Octavio, assim como oferece aos leitores algumas das suas principais análises de filmes.
 
Em um trecho particularmente interessante que eu gostaria de ressaltar, o autor proporciona ainda um roteiro para introduzir o cinema na vida das crianças.
 
Por fim, concluo que esse livro mistura textos diversos (romance, crônica, crítica) de maneira muito criativa, desacomodando (ou instigando) o seu público, mostrando, sobretudo, o quanto Octavio Caruso é lúcido de verdade.

sábado, 22 de novembro de 2025

"Poeamo-me: poemas de amor e desamor próprio", de Paula Taitelbaum

"Poeamo-me" é uma das propostas poéticas mais impressionantes (e certamente a mais completa) que já tive a oportunidade de conhecer. Isso porque o kit que acompanha o livro escrito e ilustrado por Paula Taitelbaum inclui instruções para a realização de dinâmicas de grupo a partir da leitura dos poemas, assim como os materiais necessários para colocá-las em prática: uma linda "Sacola para Poeamar", um rolo de barbante vermelho, um bloco de folhas brancas e uma cola.

Lançado pela Editora Piu em 2024, "Poeamo-me: poemas de amor e desamor próprio" é uma coletânea de poemas já publicados no primeiro livro da escritora, "Eu Versos Eu", repaginados e complementados por instigantes ilustrações em vermelho. Os textos são, em sua maioria, curtos, fáceis de entender, porém criativos e provocantes, características que realmente os tornam super indicados para o trabalho com jovens.

E, como se isso fosse pouco, além do formato físico, a obra está disponível nos suportes digital e audiolivro (este de forma gratuita nas plataformas de áudio).

Portanto, "Poeamo-me" é um projeto brilhante, com poemas muito bem selecionados e planejado com carinho em todos os seus detalhes, configurando-se numa imersão poética inigualável.

domingo, 16 de novembro de 2025

"Destino leia-se sentido", de Gabriela Marcondes

Em "Destino leia-se sentido", Gabriela Marcondes apresenta uma criação literária que alia inovação e tradição, revelando-se como uma das vozes mais instigantes da literatura brasileira contemporânea. Sua produção é marcada por um jogo lúdico com a linguagem, no qual frases de outros autores são reinventadas, fragmentadas e ressignificadas, enquanto palavras são embaralhadas até darem origem a novos termos, em um gesto de brilhantismo surpreendente.

Gabriela dá um tom acessível e estimulante àquilo que poderia soar excessivamente experimental, tendo em vista que seus versos não intimidam, convidando o leitor a participar do jogo, explorando significados múltiplos a partir de vocábulos simples, trabalhados com engenho e delicadeza. 

A multiplicidade da autora (médica, poeta, artista visual e mestre em musicologia) transparece em cada página, pois sua criação é atravessada por uma sensibilidade que dialoga com diferentes áreas do conhecimento, resultando em uma escrita que é, simultaneamente, racional e sensorial.

O título já anuncia a proposta: "Destino leia-se sentido", porque, se misturarmos as letras que constituem a palavra “destino”, obteremos “sentido” — gesto que revela não apenas a busca por novos vocábulos, mas, sobretudo, de significados, prenunciando aquilo que acontece no decorrer das páginas deste livro.

Mais do que reafirmar a potência da palavra como matéria viva, a obra desafia quem a lê a repensar os caminhos da poesia atual. Pela ousadia formal e pela clareza de execução, Gabriela Marcondes se consolida como uma das escritoras mais inventivas de sua geração.

domingo, 9 de novembro de 2025

"Café & Foco", de Mauro José Santin




- Título: "Café e Foco: Crônicas Astro Lógicas"
- Autor: Mauro José Santin
- Editora: Edelbra/AEL (RS)
- Ano de lançamento: 2018
- Nº. de páginas: 248


"Café e Foco: Crônicas Astro Lógicas", de Mauro José Santin, é fruto de um percurso que começou em 2010, com o lançamento do livro "Educação para todas as vidas: um novo olhar para a vida, um rumo novo para a educação", e ganhou corpo no blog "Café e Foco", criado em 18 de janeiro de 2011. Esse espaço virtual, ainda ativo, tornou-se um repositório de reflexões em forma de versos e crônicas, que em 2018 resultaram neste livro.

A proposta já está anunciada no título: C – A – F – E, isto é, Ciência, Arte, Filosofia e Espiritualidade, com a Astrologia também presente como chave de leitura. O estilo de Mauro é único, pois seus textos não apenas transmitem ideias, mas são cuidadosamente estruturados para que a forma dos versos dialogue com o conteúdo, criando uma experiência estética e reflexiva.

Cada crônica lírica transcrita neste volume é um convite a pensar o instante vivido, seja quais forem os aspectos da vida humana abordados, sempre com um olhar atento ao tempo histórico em que foi escrita. Por isso, não é uma obra para ser lida de uma vez só; ao contrário, pede calma, digestão lenta, como um café forte que se saboreia aos poucos. Ler um texto por dia, assim, é uma maneira de respeitar o ritmo que o próprio autor defende, já que Mauro condena os excessos da pressa e da velocidade que marcam a vida contemporânea.

Um exemplo marcante é a publicação “Interdependência da Reconstrução”, de 22 de dezembro de 2015, em que o autor escreve: “A Cada Instante Sagrado, ao passar de cada dia AoBemSoado, fica mais evidente a Interdependência entre tudo e todos neste nosso Planeta super-habitado. Torna-se, assim, impossível olhar para o Planeta, que é apenas uma das muitas Moradas no Universo, sem usar o Coração como Luneta, sem perceber que é Único o Verso…”. Nesse texto, Mauro denuncia a exploração insaciável da Terra, a objetificação dos animais e até das próprias pessoas, chamando à reverência e à gratidão. Ao mesmo tempo, recorre à linguagem astrológica para propor uma transformação: Plutão, “o Grande Detetive”, paira sobre Capricórnio e nos pede “Conversão em lugar de Diversão, Justa Ação em lugar do Autoengano da Corrupção”. É um chamado à consciência, à autogestão e à mudança de postura diante da vida e do planeta.

Por conta disso, "Café e Foco: Crônicas Astro Lógicas" não é apenas uma coletânea de textos, mas um exercício de presença e de espiritualidade aplicada ao cotidiano. Mauro José Santin nos convida a olhar para o mundo com o “Coração como Luneta”, a perceber a interdependência entre tudo e todos e a mudar nossa relação com o tempo, com a Terra e conosco mesmos. É uma obra que pede calma, atenção e abertura — um café que aquece, desperta e inspira.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

"Neve negra", de Santiago Nazarian

Em "Neve negra", Santiago Nazarian narra a história de Bruno Schwarz, um artista plástico bem-sucedido que retorna à antiga casa da família, localizada em uma pequena cidade do interior de Santa Catarina, justamente em um dia de neve atípico. Desde o início, não é apenas o clima que se mostra fora do comum, pois o local tão (re)conhecido pelo pintor está enchendo a sua cabeça de perguntas.

O romance se constrói como um verdadeiro exercício de terror psicológico, em que paranoias, alucinações e dramas concretos se entrelaçam. Nazarian mistura lenda, mistério, isolamento, solidão e crise de identidade, ao mesmo tempo em que contrapõe o sucesso e o fracasso do protagonista. O resultado é uma narrativa que alterna entre suspense, poesia, humor e surrealismo, oscilando constantemente entre presente e passado, devaneio e realidade.  

Mais uma vez, surge a figura de Thomas Schimidt, alter ego literário do autor, que interage com as suas criaturas e oferece um divertido ingrediente ao livro.

Embora não seja a narrativa mais instigante que já li, "Neve negra" se revela interessante e em nenhum momento cansativa. Ao final da leitura, permanece a dúvida essencial: seriam os acontecimentos apenas alegorias criadas por Santiago, fruto da mente perturbada de Bruno Schwarz, ou experiências efetivamente vividas pelo personagem? Essa ambiguidade é o que sustenta a força do romance, deixando no leitor a inquietação própria do melhor terror psicológico.