quinta-feira, 9 de outubro de 2025

"O idioma das sombras", de Simone Bacelar

- Título: "O idioma das sombras"
- Autora: Simone Bacelar
- Editora: Cobalto (SP)
- Ano de lançamento: 2025
- Nº. de páginas: 148


Em “O idioma das sombras”, Simone Bacelar apresenta uma poesia de fôlego intenso, que se lê quase sem respirar, como se cada verso exigisse do leitor uma entrega total, sem espaço para distrações. Nada mais importa diante da força de sua escrita, que se constrói de modo brutalmente cru e, ao mesmo tempo, profundamente poético. A autora leva ao pé da letra o recurso essencial da arte poética: criar imagens, transformar sentidos, reinventar percepções. Suas analogias são únicas e fascinantes, e é justamente nelas que reside parte da originalidade de sua obra. A poética de Bacelar é simultaneamente moderna, ousada e diferente, mas não rompe com a tradição; ao contrário, dialoga com ela, respeitando-a, enquanto abre caminhos novos. O resultado é uma poesia acessível a qualquer leitor, porém suficientemente densa para provocar reflexão. Essa densidade, no entanto, não se apoia em vocabulário excludente ou em simbologias quase inacessíveis, e sim na lucidez e na consistência das ideias, gerando uma obra fora de série, verdadeiramente autêntica e estimulante. Cada palavra pode ser saboreada, e deixar um verso passar despercebido seria quase um crime. A leitura amplia positivamente a noção de como se pode fazer poesia, justamente porque foge do lugar-comum e oferece uma percepção sensível e particular das coisas, das pessoas, da sociedade, do tempo e do próprio fazer poético.

Os versos de Bacelar são incisivos, como em “um esforço jogado no ralo, / porque o ralo aceita qualquer coisa” (p. 15), ou em “um lampejo de esperança esmagado / como bituca de cigarro na calçada rachada” (p. 15), imagens que condensam a experiência humana em metáforas cotidianas, ao mesmo tempo simples e devastadoras. Em “Tem no bolso um maço de silêncio / e na alma um grito inteiro” (p. 30), a poetisa explora a tensão entre contenção e explosão, enquanto em “Ser autêntico é isso: / cuspir na cara do mundo / sem se importar / com quem limpa a sujeira depois” (p. 30) afirma uma postura de enfrentamento, que perpassa toda a obra. Há também espaço para delicadas ponderações, como em “Perdão, no chão do homem / não nasce como capim. / É lavra de quem entende / que a dor precisa ter fim” (p. 33), ou em “[…] aprendeu a desenhar / mapas de retorno sem jamais traçar rotas de fuga” (p. 34), versos que revelam maturidade e lucidez. O amor, tema recorrente, aparece despido de idealizações: “O amor não precisa ser bonito. / só precisa caber” (p. 36). Já em “Como se o ar não estivesse poluído / por pensamentos que não se dissipam” (p. 46), a escritora traduz a inquietação mental, e em “Ela lê, / não para escapar, / mas para entender por que ainda está aqui […]” (p. 53) transforma o ato da leitura em gesto existencial. A sabedoria de seus versos pode ser observada ainda em reflexões como “percebo que a paz / não é a ausência de ondas, / mas a aceitação / de que elas vêm e vão [...]” (p. 97), ou em “[…] sei que somos todos finitos, / como quem passa e já vira sombra na esquina” (p. 118), que reafirmam a consciência da transitoriedade da vida.

Entre os poemas que mais se destacam, estão “Uma dor que grita no silêncio”, “A mulher que carrega espelhos”, “Acervo”, “Sem promessas”, “Lição”, “Amanhece”, “O cotidiano respira”, “Aniversário de Jesus”, “Gratidão é coisa de dentro”, “A leitora”, “A dor que fala”, “O amor chega cambaleando”, “Felicidade”, “Cavalo selvagem”, “Estranha cidade a minha”, “Acordo com o sol nascendo”, “Alça de caixão”, “Testamento” e “Ela entra na livraria como quem invade”. Cada um deles, à sua maneira, confirma a amplitude temática e a versatilidade da autora, que transita entre o íntimo e o social, entre o efêmero e o eterno, entre a dor e a esperança.

Assim, “O idioma das sombras” não é apenas um livro de poemas, mas um convite a olhar o mundo com outros olhos — olhos que não temem a sombra e, em vez disso, encontram nela um idioma próprio, feito de lucidez, dor, amor e resistência. É por isso que, para mim, o avassalador volume em questão comprova aquilo que penso há algum tempo: a baiana Simone Bacelar é a voz mais notável da poesia brasileira contemporânea.



sexta-feira, 3 de outubro de 2025

"A senha do mundo", de Carlos Drummond de Andrade

"A senha do mundo" é um livro de poesia infantojuvenil muito bonito, cujos poemas nos transportam à infância — e, de certo modo, à própria vida — de outros tempos. Para temperar seus delicados versos drummondianos, a obra traz ilustrações originalmente publicadas nos periódicos ingleses do século XIX Chatterbox e British Workman.

É um título que sempre encontrei nas bibliotecas das escolas em que trabalho, de valor inestimável e, infelizmente, pouco lido pelos frequentadores desses preciosos locais.


domingo, 28 de setembro de 2025

"Vozes da Minh'alma", de Bárbara Seibel

Há livros que tocam a alma de maneira sutil, como um murmúrio que perdura em nossas lembranças, e há aqueles que nos marcam com identidade, com presença, com expressividade. “Vozes da minh’alma”, de Bárbara Seibel, faz ambas as coisas. Ele sussurra e grita; acolhe e provoca; convida-nos a olhar para dentro, mas também para além, para o passado e para o que há de mais essencial na existência humana.  

A poesia de Bárbara é um encontro entre memória e transcendência, entre resistência e contemplação. Seus versos, cuidadosamente construídos, carregam musicalidade, ritmo e uma profundidade que nos agarra desde a primeira página. Entre rimas bem posicionadas e estruturas poéticas marcantes, encontramos uma obra que dialoga com o íntimo e o coletivo, com o que nos molda e com o que nos transforma.

Há poemas delicados e simbólicos, que falam baixinho e revelam universos em poucas palavras. Outros são fortes e pulsantes, trazendo à tona temáticas como ancestralidade, raízes, protagonismo feminino, força interior, espiritualidade, resistência, além da relação do ser humano com a natureza e seus ensinamentos. Nos metapoemas, a própria poesia se torna reflexão, questionamento, deslindando as práticas e as motivações dessa admirável poetisa.

Muitos dos versos parecem mergulhar em histórias silenciadas, em legados que nos formam, instigando um senso profundo de pertencimento e gratidão pelos que vieram antes de nós. Há trechos que exaltam a resiliência, o renascimento e a conexão com uma força feminina universal, criando um espaço de empoderamento e autoconhecimento. Outros exploram a busca por propósito e o equilíbrio entre o humano e o divino, conduzindo o leitor por um caminho de introspecção e aprendizado.

Dentre os poemas que mais me marcaram, destaco: “Reencontro”, “Ancestrais”, “E se...”, “Poesia que me lê”, “Partida”, “A sabedoria de uma árvore”, “Mudança”, “Escrita”, “Sobre o amor”, “Alma de poeta”, “Mistério da noite”, “Tríade”, “Sinfonia do efêmero”, “Interrogação” e “Em algum lugar, existe alguém”. Cada um deles carrega um potencial próprio, seja nas indagações filosóficas, no resgate das raízes ou na entrega emocional dos versos.

Este livro não é apenas um conjunto de textos poéticos. É um convite. Ao folhear suas páginas, somos levados a uma viagem que ultrapassa tempo e espaço, guiados pelos vocábulos que Bárbara lapidou com sensibilidade e coragem. Seus poemas nos lembram de nossa conexão com o passado, enquanto apontam para o que ainda está por vir.

O impacto dessa obra reside na habilidade de equilibrar o pessoal e o universal, permitindo que cada indivíduo se enxergue em suas entrelinhas e descubra, quem sabe, um pouco mais de si mesmo.

Em “Vozes da minh’alma”, Bárbara Seibel se desnuda através de verbetes minuciosamente escolhidos, assim como nos permite encontrar algo de nós mesmos em seus versos. E esse é, sem dúvida, um dos maiores poderes da poesia.


***


* O livro "Vozes da Minh'alma", escrito por Bárbara Seibel, está em pré-venda pelo link: VOZES DA MINH'ALMA. Aproveite as recompensas proporcionadas pela editora nessa etapa para obter vantagens exclusivas.




sábado, 27 de setembro de 2025

"Poemas que escolhi para as crianças", de Ruth Rocha

Nesta maravilhosa obra, a antológica Ruth Rocha (com a ajuda da filha Mariana) selecionou poemas de autores brasileiros de diferentes épocas para a apreciação das crianças (e dos adultos também, logicamente).

Os textos, organizados em blocos temáticos e brilhantemente ilustrados por nove artistas, vão desde os clássicos Casimiro de Abreu e Gonçalves Dias até os contemporâneos Arnaldo Antunes e Paulo Becker, por exemplo.

Portanto, este volume é um verdadeiro baú de tesouros. Um livro para ter e apreciar com carinho.


***


Conheça a minha obra poética Contudo, em pré-venda pela Editora M.inimalismos. Para isso, acesse o link: "Contudo (sublimações)"




quinta-feira, 18 de setembro de 2025

"Ninguém pode com Nara Leão: uma biografia", de Tom Cardoso

Antes de fazer a leitura, sabia muito pouco sobre Nara Leão. Conhecia partes da sua história e tinha em CD o álbum "Garota de Ipanema", de 1985, gravado no Japão — que é, nada mais, nada menos, o primeiro registro em CD de um artista brasileiro na história.

No entanto, agora nutro uma consideração muito maior pelas figuras pública e privada de Nara Leão, uma artista sem igual e uma pessoa verdadeiramente interessante.

É isso que consegue a obra de Tom Cardoso, cuja narrativa retrata a biografia da cantora com respeito, admiração e paixão, por meio de uma escrita envolvente e coesa, que facilita a leitura e o encantamento.

Além disso, a forma esmiuçada com que o jornalista descreve a produção dos álbuns de Nara instigou-me a não só ler essa biografia, mas também escutar toda a sua discografia.

Por isso, considero esse livro fundamental tanto para aqueles que já tinham alguma noção de quem era Nara Leão quanto para quem nunca ouviu falar dessa intérprete tão especial da nossa música brasileira.


***


Conheça a minha obra poética Contudo, em pré-venda pela Editora M.inimalismos. Para isso, acesse o link: "Contudo (sublimações)"




quinta-feira, 11 de setembro de 2025

"(in)", de Antônio Carlos Policer




- Título: “(in)”
- Autor: Antônio Carlos Policer 
- Editora: Autografia (RJ)
- Ano de lançamento: 2021
- Nº. de páginas: 140
 
 
Em seu brilhante livro “(in)”, o poeta Antônio Carlos Policer diz muito com o mínimo de recursos, captura a poesia nas situações mais inusitadas e lapida as palavras quando necessário. Seus versos brincam com os vocábulos, tanto com os significados quanto com os significantes. E seus poemas nascem de uma sensibilidade, de uma perspicácia, bem como de um poder de síntese realmente admiráveis.
 
Ao longo da leitura, percebe-se que tudo o que faz é cuidadosamente pensado, e nada está ali por acaso. Por outro lado, constata-se que sua poesia não é para qualquer leitor. É necessário, por exemplo, ter bons conhecimentos prévios para tirar o maior proveito de seus textos.
 
Meus poemas favoritos são: “contagem regressiva”, “poema de utilidade pública”, “dúvida linguística”, “onirismo”, “Poética”, “Persona”, “hora de acordar”, “nova antropofagia”, “auto-reverse”, “doença comercial”, “Exame”, “celibato”, “e-poem”, “A marcha”, “Carta ao administrador”, “desca(n)so geral”, “descentralização de poder público”, “Paladar”, “Labor” e “Um poema natalino”.
 
Sendo assim, posso afirmar, sem receio, que “(in)” é um dos melhores volumes poéticos que já tive a oportunidade de ler, porque é criativo, inovador, crítico, inteligente, coerente e inspirador. Poucos livros provocaram tanto impacto em mim durante a leitura. Sem sombra de dúvida, Antônio Carlos Policer tira o leitor da zona de conforto e, se este permitir, preenche a sua vida com a mais qualificada poesia brasileira contemporânea.

sábado, 6 de setembro de 2025

"Dança nas sombras", de Julie Garwood

"Dança nas Sombras", de Julie Garwood, apresenta uma narrativa que mistura elementos de suspense e romance. O livro tem início com o casamento de Dylan Buchanan com Kate MacKenna, até que um estranho, que se identifica como Professor MacKenna, traz à tona uma antiga história de rivalidade entre as duas famílias, o que deixa os convidados da cerimônia curiosos e perplexos. Jordan Buchanan, irmã de Dylan, é quem mais fica entusiasmada com o que o excêntrico professor conta e, a partir de então, sai em uma aventura em busca de uma pequena e desconhecida cidade chamada Serenity, na qual encontrará muito além de narrativas pretéritas a respeito dos dois clãs.

Apesar de momentos intrigantes, como os mistérios envolvendo o Professor MacKenna, o ataque à protagonista Jordan e os corpos encontrados no porta-malas, a superficialidade da obra limita o impacto e a empolgação que poderiam envolver um leitor mais exigente. Trata-se de uma leitura para passar o tempo, mas está bem distante de ser marcante. É, na verdade, um título com apelo puramente comercial.