- Autora: Simone Bacelar
- Editora: Cobalto (SP)
- Ano de lançamento: 2025
- Nº. de páginas: 148
Em “O idioma das sombras”, Simone Bacelar apresenta uma poesia de fôlego intenso, que se lê quase sem respirar, como se cada verso exigisse do leitor uma entrega total, sem espaço para distrações. Nada mais importa diante da força de sua escrita, que se constrói de modo brutalmente cru e, ao mesmo tempo, profundamente poético. A autora leva ao pé da letra o recurso essencial da arte poética: criar imagens, transformar sentidos, reinventar percepções. Suas analogias são únicas e fascinantes, e é justamente nelas que reside parte da originalidade de sua obra. A poética de Bacelar é simultaneamente moderna, ousada e diferente, mas não rompe com a tradição; ao contrário, dialoga com ela, respeitando-a, enquanto abre caminhos novos. O resultado é uma poesia acessível a qualquer leitor, porém suficientemente densa para provocar reflexão. Essa densidade, no entanto, não se apoia em vocabulário excludente ou em simbologias quase inacessíveis, e sim na lucidez e na consistência das ideias, gerando uma obra fora de série, verdadeiramente autêntica e estimulante. Cada palavra pode ser saboreada, e deixar um verso passar despercebido seria quase um crime. A leitura amplia positivamente a noção de como se pode fazer poesia, justamente porque foge do lugar-comum e oferece uma percepção sensível e particular das coisas, das pessoas, da sociedade, do tempo e do próprio fazer poético.
Os versos de Bacelar são incisivos, como em “um esforço jogado no ralo, / porque o ralo aceita qualquer coisa” (p. 15), ou em “um lampejo de esperança esmagado / como bituca de cigarro na calçada rachada” (p. 15), imagens que condensam a experiência humana em metáforas cotidianas, ao mesmo tempo simples e devastadoras. Em “Tem no bolso um maço de silêncio / e na alma um grito inteiro” (p. 30), a poetisa explora a tensão entre contenção e explosão, enquanto em “Ser autêntico é isso: / cuspir na cara do mundo / sem se importar / com quem limpa a sujeira depois” (p. 30) afirma uma postura de enfrentamento, que perpassa toda a obra. Há também espaço para delicadas ponderações, como em “Perdão, no chão do homem / não nasce como capim. / É lavra de quem entende / que a dor precisa ter fim” (p. 33), ou em “[…] aprendeu a desenhar / mapas de retorno sem jamais traçar rotas de fuga” (p. 34), versos que revelam maturidade e lucidez. O amor, tema recorrente, aparece despido de idealizações: “O amor não precisa ser bonito. / só precisa caber” (p. 36). Já em “Como se o ar não estivesse poluído / por pensamentos que não se dissipam” (p. 46), a escritora traduz a inquietação mental, e em “Ela lê, / não para escapar, / mas para entender por que ainda está aqui […]” (p. 53) transforma o ato da leitura em gesto existencial. A sabedoria de seus versos pode ser observada ainda em reflexões como “percebo que a paz / não é a ausência de ondas, / mas a aceitação / de que elas vêm e vão [...]” (p. 97), ou em “[…] sei que somos todos finitos, / como quem passa e já vira sombra na esquina” (p. 118), que reafirmam a consciência da transitoriedade da vida.
Entre os poemas que mais se destacam, estão “Uma dor que grita no silêncio”, “A mulher que carrega espelhos”, “Acervo”, “Sem promessas”, “Lição”, “Amanhece”, “O cotidiano respira”, “Aniversário de Jesus”, “Gratidão é coisa de dentro”, “A leitora”, “A dor que fala”, “O amor chega cambaleando”, “Felicidade”, “Cavalo selvagem”, “Estranha cidade a minha”, “Acordo com o sol nascendo”, “Alça de caixão”, “Testamento” e “Ela entra na livraria como quem invade”. Cada um deles, à sua maneira, confirma a amplitude temática e a versatilidade da autora, que transita entre o íntimo e o social, entre o efêmero e o eterno, entre a dor e a esperança.
Assim, “O idioma das sombras” não é apenas um livro de poemas, mas um convite a olhar o mundo com outros olhos — olhos que não temem a sombra e, em vez disso, encontram nela um idioma próprio, feito de lucidez, dor, amor e resistência. É por isso que, para mim, o avassalador volume em questão comprova aquilo que penso há algum tempo: a baiana Simone Bacelar é a voz mais notável da poesia brasileira contemporânea.




