Sempre tive grande dificuldade em apreciar as obras de Eça de Queiroz. Apesar de admirar muito as temáticas propostas em alguns de seus principais títulos, como "O crime do Padre Amaro" e "O primo Basílio", nunca consegui concluir a leitura desses textos, principalmente por considerar excessivamente maçante o seu estilo descritivo e rebuscado demais.
Por outro lado, ao realizar a leitura da póstuma "A cidade e as serras", primeiro em uma adaptação e depois em um original belíssimo que me foi ofertado como presente pela minha cunhada, encontrei ali um Eça diferente, mais leve, mais atrativo, mais genial, perante o meu humilde ponto de vista. E isso me encorajou!
Por isso, quando me deparei com essa edição de "A relíquia", tive algum receio de juntá-la à minha coleção. Contudo, a sinopse do livro me tirou qualquer dúvida.
A obra é protagonizada pelo personagem Teodorico, que, ao ficar órfão de pai e mãe ainda criança, vai morar na casa de sua Tia Patrocínio, rude, rica e (ultra)religiosa. Sabendo-se seu único herdeiro, o malandro Teodorico vive uma existência dupla: na frente da tia, um católico fervoroso; e, pelas suas costas, tomando extremo cuidado, um boêmio mulherengo.
E, diante da oportunidade da sua vida, no momento em que poderia conquistar a certeza de um futuro próspero e livre, o destino acaba lhe pregando uma peça, dando-lhe uma rasteira.
Desse modo, o rapaz acaba percebendo, pelos golpes da consciência, os reais motivos de sua desventura: a hipocrisia e a mentira, que, em nosso mundo, são defeitos (nos tornando piores), mas também qualidades (garantindo a nossa sobrevivência e a convivência em alguns momentos).
A partir daí, toda vez que tende a mentir e a ser hipócrita, Teodorico é salvo pela sua consciência. E é a sua sinceridade e o seu próprio esforço que lhe salvam de uma vida miserável.
No entanto, quando revisita a hipocrisia em outros indivíduos, lamenta que o seu erro foi não ter tido a coragem de afirmar. Pois, segundo ele, caso tivesse persistido na mentira e tido algum poder de improvisação, poderia não ter se dado tão mal.
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Durante a sua narrativa, sobretudo no cansativo capítulo 3, o autor questiona e ironiza diversos aspectos dos relatos bíblicos, como a ressurreição e algumas opiniões e detalhes observados nos evangelhos. Isso demonstra o caráter crítico e destemido de Eça.
Mas não só de crítica e coragem é feito "A relíquia". Também há muitas situações hilárias e apontamentos dignos de aplausos. Aqui seguem alguns destes - o primeiro discorre a respeito da consciência e o segundo, sobre a coragem de afirmar. Creio que exemplificam bem o teor do livro.
"[...] Eu não sou Jesus de Nazaré, nem outro deus criado pelos homens... Sou anterior aos deuses transitórios; eles dentro em mim nascem; dentro em mim duram; dentro em mim se transformam; dentro em mim se dissolvem; e eternamente permaneço em torno deles e superior a eles, concebendo-os e desfazendo-os, no perpétuo esforço de realizar fora de mim o deus absoluto que em mim sinto. Chamo-me consciência [...]"
"[...] houve um momento em que me faltou esse descarado heroísmo de afirmar, que, batendo na terra com pé forte, ou palidamente elevando os olhos ao céu, cria, através da universal ilusão, ciências e religiões."